A Primeira Visitação do Santo Ofício no Brasil, assim denominado na época, foi realizada entre os anos de 1591 a 1595. Com sua atuação ficou claro que uma boa porcentagem dos denunciados era de origem judaica. A Inquisição permaneceu na Bahia por dois anos, até 1593. Depois seguiu para Pernambuco, Itamaracá e Paraíba. A perseguição aos judeus nas capitanias do nordeste estimulou a saída dos mesmos em direção ás capitanias do sul. Nelas reinava uma maior liberalidade em relação ao judaísmo.
Entre os denunciados foram citados cristãos novos da região de São Vicente, como Gomes da Costa, Antônio do Vale, Lopo Dias e a família dos Mendes, “todos da progênie israelita… contra os quais pesavam acusações por suas práticas judaizantes.” (Salvador, 1976, p. 125) Nas denunciações de São Paulo e da Bahia “transparece claramente o quanto os cristãos novos sentiram-se a vontade para judaizarem na colônia distante da Inquisição Continental e mais ainda os que se encontravam na longínqua Capitania de São Vicente e na vila de São Paulo”. (Falbel, 1999, p.115)
O próprio Martim Afonso de Souza fundador da vila e donatário “carregava nas veias certa dose de sangue hebreu”. (apud Bogaciovas, 2015, p.95) Ele era neto paterno de Maria Pinheiro, afamada por ser cristã nova e constante do caderno de cristãos novos de Barcelos” (Apud Bocaciovas, 2015, p. 95) Razão pela qual nutria simpatia pelos cristãos novos e poderia assim ter facilitado ou mesmo incentivado o ingresso de cristãos novos em sua capitania. Ele tinha interesse em receber profissionais qualificados e profissionais de ofícios diversos, além de homens letrados. Desta forma, como afirma Marcelo Bogaciovas, “desde o início do povoamento, em 1532, quiça antes, mas sem prova documental, o cristão novo foi chegando a São Vicente, berço da nação paulista.” (Bocaciovas, 2015, p. 12) Por certo eles podiam supor que a distância da metrópole permitiria uma vida religiosa mais livre e segura no Novo Mundo.
Entre eles chegaram indivíduos cuja ascendência remonta aos países baixos para onde fugiram numerosos judeus pela perseguição movida contra eles na Península Ibérica em busca de melhores condições proporcionadas pelo comércio e liberdade de culto. Posteriormente retornaram para Portugal, para as ilhas dos Açores, Madeira, Canárias, Cabo Verde e mais tarde para o continente americano em geral, inclusive para o Brasil. A maioria entre os que retornavam eram, “de provável mesclagem israelita, a exemplo dos Lemes e dos Taques que se casaram com mulheres portuguesas de etnia suspeita”, como defende o historiador José Gonçalves Salvador. (Salvador, 1976, p.90)
Os Lemes descendiam de Martim Lems, cavalheiro, nobre, rico que foi senhor de muitos feudos na cidade de Bruges, no antigo condado de Flandres, nos Países Baixos. Martim Lems migrou para Portugal, por volta de 1456, tendo se estabelecido em Lisboa, onde continuou a se dedicar às atividades comerciais, realizadas com negociantes hebreus, em especial. Por este tempo teve o sobrenome corrompido para Leme. Embora não se tenha casado teve com Leonor Rodrigues, “mulher solteira e talvez judia, sete filhos legitimados por cartas régias em 1464”. (Salvador, 1976, p. 34)
Entre seus descendentes, o neto Martim Leme mudou para a Ilha da Madeira onde constituiu família. Um de seus filhos, o Antônio Leme, casou com Catharina de Barros, com que teve entre outros filhos Antão Leme que migraria para São Vicente, onde apareceu em 1554 exercendo o cargo de juiz ordinário. Acompanhando a sua trajetória, o seu filho Pedro Leme também migrou para São Vicente onde passou a residir no ano de 1550. Pedro Leme era um homem de posses. Quando chegou a São Vicente desembarcou com vários criados ao seu serviço, ali foi estimado e reconhecido com o caráter de fidalgo. Foi pessoa de maior autoridade na vila. Antes da vinda para o Brasil Pedro Leme residiu em Abrantes, Portugal, onde casou com Isabel Dias Pais, com a qual teve o filho que herdou o nome do avô materno e se chamou Fernão Dias Pais. Isabel Pais foi açafata no Paço Real, gozando de confiança e estima das senhoras do palácio. De onde nasceu a suspeita de sua origem hebraica. Em razão do qual seu filho Fernão Dias Pais foi chamado, durante uma briga em São Paulo, pelo então governador geral D. Francisco de Souza de “cão judeu”. (Salvador, 1976 p. 135) Falecendo a esposa, Pedro Leme retornou para a Ilha da Madeira e se casou pela segunda vez com Luzia Fernandes com que teve a filha Leonor Leme. No Brasil se casou pela terceira vez com Gracia Rodrigues de Moura, sem deixar descendentes.
Na Capitania de São Vicente os descendentes dos Lemes e dos Pais casaram com pessoas de linhagem dos cristãos-novos.
Para saber mais:
– NISKIER, Arnaldo. Branca Dias, o Martírio. In: https://books.google.com.br/books?id=aQtcCgAAQBAJ&pg=PT33&lpg=PT33&dq=os+judeus+fuga+de+portugal