João Ramalho morador dos campos de Piratininga era considerado, dentre os homens brancos, “o mais antigo da terra” (Toledo, 2012, p.53)
Ele exercia autoridade sobre homens e mulheres, indígenas e brancos europeus.
A sua chegada ao Brasil é cheia de mistérios. Sabe-se que era filho de João Vieira Maldonado e de Catarina Afonso de Balbode, nascido no ano de 1493. Foi casado em Portugal com Catarina Fernandes, que nunca mais viu depois de sua partida para o Brasil. De lá saiu no ano de 1512 e após um naufrágio de sua nau chegou às costas da futura capitania de São Vicente em 1513. Era muito jovem, contava com apenas 20 anos de idade.
No entender de diversos historiadores, como Gustavo Barroso, Marcelo Bogaciovas e Djanira Sá de Almeida, João Ramalho era um judeu. E, tendo se convertido ao catolicismo, um cristão novo. Sua ascendência judaica encontra raízes na Espanha. A principal comprovação vem do fato de que a sua assinatura vinha sempre acompanhada de um Kaf, a décima primeira letra do alfabeto hebraico. Um verdadeiro Kaf, no sentido cabalístico, demonstra que era judeu do mais puro sangue. Como afirma Marcelo Bogaciovas isto se confirma, pois “não é possível imaginar alguém que em tempo de perseguição aos judeus, assinar uma letra que facilmente o indicasse como tal.” (Bogaciovas, 2015,88). Além disto, era notório em João Ramalho e alguns de seus filhos a aversão aos padres, a Inquisição e aos preceitos religiosos. Um de seus filhos ao ser “ameaçado por um dos padres de ser processado pela Inquisição, respondeu: acabarei com as Inquisições a flechas”. (Mario Neme, notas de Revisão da História de São Paulo, p. 57, apud Toledo, 2012, p. 109)
Ramalho era um aventureiro. Como tantos outros que vieram para o Brasil logo após a sua descoberta, motivados pelas notícias de riquezas e possibilidades de ganhos extraordinários.
Ao chegar ao novo continente logo pôde vislumbrar a sua beleza natural e a maneira como os seus habitantes, em especial as mulheres apresentam –se aos homens brancos, naturalmente nuas. Assim, obedecendo a seus instintos, teve várias mulheres, muitos filhos e descendência numerosa. Mas teve em Bartira uma esposa especial, a principal delas. Ela era filha de Tibiriça, homem famoso e destemido. O denominado “senhor dos campos de Piratininga”, a quem os guaianases davam alguma obediência e os indígenas de outras nações respeitavam muito por ser ele o cacique mais poderoso e o melhor guerreiro da região.
Esta união certamente trouxe vantagens e prestígio ao recém- chegado à terra e à família. Foi um dos primeiros entre os europeus a inserir-se numa instituição social de longa data cultivada entre os indígenas, o cunhadismo, como assim o chamou o antropólogo Darcy Ribeiro. Era o costume pelo qual os indígenas recebiam um estranho na comunidade lhe oferecendo uma mulher. Assim como faziam entre si, estenderiam a gentileza para os de fora. A mulher oferecida ao estranho, a “temirico”, como era chamada, consagrava um pacto de sangue. A partir de então o marido dela podia contar com a numerosa parentela e praticamente com toda a comunidade para ajudá-lo em tempo de paz e de guerra. E, como os indígenas do planalto desconheciam a monogamia, os novos membros da comunidade podiam se unir com temiricós de diferentes procedências, o que resultava numa ampla teia de alianças e consequentemente maior prestígio e poder.
Desta forma João Ramalho se tornou um dos principais personagens dos primórdios da vida no planalto de Piratininga. Ali vivia com as suas mulheres, filhos e uma quantidade de pessoas a seu serviço. Aos poucos foi se adaptando aos costumes locais. Trata-se, então, de um branco europeu que neste primórdio da colonização não tenta impor a cultura do velho continente. Antes, assimila a cultura, apropria-se do modo de ser e de viver dos indígenas. Dá início a um processo de integração cultural peculiar na formação dos futuros habitantes do planalto de Piratininga. Ramalho participa de suas festas e ia à guerra com eles. Não se constrangia em andar nu. Não obedecia a preceitos religiosos e tinha as suas leis próprias.
Sua figura lendária é enaltecida na formação das povoações e organização desta parte do interior brasileiro. Para o alemão Ulrico Schimidt, que passou pela região no ano de 1553, ele era o “chefe” da povoação do planalto. (apud Toledo, 2012, p. 109) e o “mais do que pai dos próprios filhos deve ser considerado o pai dos paulistas. O espírito dos mamelucos caçadores de índios e desbravadores dos sertões.” (Toledo, 2012, p. 54 e 112) Marcelo Bogaciovas no mesmo sentido considera João Ramalho “ o patriarca dos bandeirantes e do povo paulista”.
Para saber mais:
– A lenda de João Ramalho. In http://www.pitoresco.com/historia/rocha01a.htm
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