#tempodemovimento | Parte V – Do Planalto para o Vale do Paraíba | A família Félix

Jaques Félix nasceu em Santos, por volta de 1575.   Na vila em que resida seu pai: Jaques Félix, o flamengo.     O pai recebia este cognome por ser originário dos países baixos, onde nascera por volta de 1540. De início fixou-se inicialmente na vila de São Vicente.  Por volta de 1569 contraiu matrimônio com uma filha de Jerônimo Dias, um dos primeiros povoadores daquelas terras.  (Revista ASBRAP, no. 12) Foi comandante da fortaleza de Bertioga, e depois comprou casa na vila de Santos onde morou e nasceram os seus filhos: Jaques Félix, Ascensa Félix e Isabel Félix.  Faleceu o flamengo, já sexagenário, por volta de 1605.

Jaques Félix, o filho, mudou-se para o planalto de Piratininga passando a residir na vila de São Paulo.  Foi casado com Francisca Gordilha com que teve três filhos: Domingos Dias Félix, Belchior Félix e Catarina Dias.

Em 18 de dezembro de 1598 recebeu da Câmara de São Paulo dez braças de terras em quadra, saindo da vila para o “Buropoera”, hoje Ibirapuera.  Na petição o jovem com apenas 23 anos, juntamente com André Escudeiro, que era vizinho de muitos anos, alegavam “ter mulher mulher e filhos e que não tem chãos para fazerem suas casas e se agasalharem.” (In Ortiz,1996 , vol I, p.625)  Dois anos depois, em 1596, como parte dos “homens bons” passou a fazer parte da Câmara da vila de São Paulo, ocupando o cargo de procurador do Conselho.  No início do seiscentismo iniciou as suas atividades de sertanistas participando em 1608 da bandeira de Martim Rodrigues Tenório de Aguilar, dando combate aos indígenas denominados de bilreiros e depois combateria com seus filhos outros grupos indígenas como os puris, Guarulhos e caetés chegando a atingir além da região do Vale do Paraíba o alto do rio Sapucaí, e na vertente, além da Mantiqueira.  Em 1636, já possuidor de terras no Vale do Paraíba, exercia as funções de provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

A solução encontrada para a questão Monsanto/Vimieiro ensejou o deslocamento da família Félix para o Vale do Paraíba.  Em 21 de novembro de 1628, contando com mais de cinquenta anos de idade, Jaques Félix recebeu do Capitão Mor da Capitania de Itanhaém, João de Moura Fogaça, para ele e para seus filhos Domingos Dias e Belchior, uma data de terras de meia légua de extensão para cada um deles, entre os municípios atuais de Pindamonhangaba e Tremembé, na região do Paraíba, na tapera do gentio.  Visto que em petição haviam manifestado o desejo de ir morar em terras da Condessa de Vimieiro e com isto construir moradia, fazer suas fazendas e benfeitorias, pois já conheciam a mesma por ocasião das expedições sertanistas ali realizadas.

É interessante observar os cuidados manifestados pelas autoridades concedentes das terras referindo-se a ela em documento original serem elas “terras devolutas e desaproveitadas”, contendo recursos necessários capazes de garantir a fixação e sobrevivência do homem na terra como: “todas as águas e matas”, além das facilidades para as suas “entradas e saídas”.  A doação, para ampliar os incentivos aos colonizadores, era entregue a eles e seus herdeiros, livres de todo os tributos e pensão.  O único tributo a ser pago seria o do dízimo, “a Deus Nosso Senhor”.  O registro da doação foi feito no livro do Tombo, na Vila de Angra dos Reis, também pertencente a capitania de Itanhaém,  na mesma data, em 22 de novembro de 1628.

A partir deste ano os Félix mantiveram-se em deslocamento periódicos entre a vila de São Paulo, onde continuaram a manter residência, e as distantes terras situadas na região do Vale do Paraíba.  Era o ir e vir, a partida e chegada aos lugares de destino, em movimento incessante.  Para se dimensionar o significado destes deslocamentos é preciso voltar à época do início da colonização desta região.  Antonil, sacerdote italiano, superior dos jesuítas no Brasil, ao passar pelo mesmo trajeto, sete décadas depois, nos primeiros anos década do século XVIII, já com os caminhos cheios de vida, com pessoas e mercadorias que dirigiam à região das minas descobertas, registrou as dificuldades para a realização desta viagem.   O percurso era  realizado à “marcha dos paulistas”, caminhando até o meio dia ou mais tardar até duas horas da tarde para que houvesse tempo para o descanso e pouso; para o abastecimento de água, de peixe, da caça e víveres que podiam ser colhidos nas árvores das abundantes matas.  O primeiro trecho do trajeto iniciado na vila de São Paulo, vencendo os contrafortes da serra do mar, passando por Penha, Itaqua, Mogi até chegar a Jacareí ele e sua comitiva gastaram dez dias de viagem.  No trecho seguinte, menos acidentado, passando pela denominada bacia terciária de Taubaté levou apenas 3 dias para chegar a vila de Taubaté.  Ao total venceu as aproximadamente 30 léguas de distância em 13 dias.  Obviamente que as caravanas do início da penetração e povoamento gastavam muito mais tempo para enfrentar o desconhecido, as dificuldades e os perigos das trilhas por onde transitavam.  Assim, os Félix enfrentaram grandes desafios ao caminharem pelas trilhas indígenas e vencer os obstáculos e as asperezas da região.  Dificuldades maiores ainda quando tinham que conduzir animais, o gado e outras mercadorias necessárias à construção de suas fazendas.  Presume que não gastavam menos que quinze dias para fazer o trajeto de ida ou de volta.  Ou seja, a viagem se transformava em verdadeira aventura que durava aproximadamente um mês entre a ida e volta à vila de São Paulo.

Em suas propriedades no Vale do Paraíba deram início a montagem de suas fazendas com a implantação da criação do gado, de animais domésticos e plantações.  Mas, continuaram a se dedicar à atividade geradora de rendimentos, ou seja, a caça aos indígenas.  Organizaram suas atividades com fundamento na posse da terra e de escravos, prática que se estenderiam ao longo do século por outros povoadores e que se tornariam símbolos de riqueza e de status social.

A obra de colonização ganharia contornos mais claros a partir da década seguinte à obtenção das terras na região.   A 20 de Janeiro de 1636, Jaques Félix recebeu uma nova provisão iniciar a fundação de Taubaté.  Três anos mais tarde, em 20 de janeiro de 1639 recebia novas instruções sobre a fundação da povoação, completadas pela provisão de outubro de 1639, nas quais confirmavam a intenção manifestada na provisão anterior.

Em 1640, já sexagenário, Jaques Félix, seus filhos e companheiros edificaram o núcleo primitivo de Taubaté, numa elevação a menos de uma légua do rio Paraíba do Sul.  No ano seguinte o núcleo inicial estava pronto e habitado.  Em pouco tempo, a povoação seria elevada à condição de vila a 5 de dezembro de 1645 , por provisão do capitão e Ouvidor mor Antonio Barbosa de Aguiar , governador da Capitania de Itanhaém em nome de D. Sandro de Faro, filho de Dona Mariana de Souza Guerra, a condessa de Vimieiro.  Jaques Félix, já septuagenário via sua obra concluída, gozando de prestígio entre os moradores e respeito pelo seu trabalho pioneiro em prol da colonização da região.  Razão pela qual foi então investido das funções de capitão mor, passando a ser o responsável pelas Ordenanças da vila nascente.

No final de sua vida o colonizador fora morar na vila de Taubaté em morada construída em terreno doado pela Câmara no ano de 1651.  Fato que revela a seriedade do mesmo em não se aproveitar do cargo e condição de fundador da vila para obter benefícios pessoais.  Veio a falecer em data não precisa entre os anos de 1651 a 1658 revelando até mesmo dificuldades financeiras.  A fazenda em Tremembé passara para sua filha Catarina em 1665 e sua casa na vila vendera a Estevão da Cunha.  Como escreve Bernardo Ortiz, “sua morte que deve ter ocorrido anterior a 1658 veio colhê-lo em estado de insolvabilidade. Seu ativo montava em pouca coisa: dois escravos, uma escrava com filha pequena, quatro éguas, uma potranca e oito cabeças de gado, que com os preços da época não poderiam valer mais que de vinte e cinco mil réis (25$000 réis)  quando sua dívida montava em 37$960 reis.”  (Ortiz,    , vol II, p. 40)

 

 

 

A família Félix: Domingos, Belchior e Catarina.

O capitão Domingos Dias Félix, nascido por volta de 1598 em São Paulo, acompanhou o pai em toda esta jornada e ao falecer possuía terras em Tremembé e sesmaria na paragem do Paraitinga, a beira do caminho para Ubatuba.  Terras estas recebidas com escritura em 21 de maio de 1641 pelo próprio pai.  Possuía também casa na vila construída em terreno doado pela Câmara no ano de 1651.  Participava ativamente das atividades política administrativas chegando a ocupar o cargo de Juiz Ordinário e de Órfãos em Taubaté, no ano de 1650.

Ele foi casado com Suzana Góis com que teve os filhos: Jaques Félix, “o moço”, falecido em 1712 com cerca de 80 anos     e Inês Dias Félix, também chamada Inês Gonçalves.  Veio a falecer em 19 de setembro de 1660 deixando em seu inventário registrado uma considerável relação de bens além de suas propriedades territoriais.

O outro filho, o capitão Belchior Félix, nascido em São Paulo e que também acompanhou o pai neste trabalho de colonização foi casado com Ana Sarmento com quem teve dois filhos e quatro filhas, entre eles Félix Berestrelo, reconhecido como Belchior Félix, o moço.  Faleceu em sua fazenda em Tremembé no ano de 1658, em boas condições econômicas.

Catarina Dias Félix que herdou a fazenda do pai foi casada com o abastado proprietário Domingos do Prado Martins e faleceu no ano de 1661.