A escravização indígena e as expedições para capturá-los marcaram a vida na vila de São Paulo ao longo do século XVII.
Os paulistas estavam localizados em uma região pobre, afastada do litoral e viviam da criação do gado e da cultura de subsitência. Assim a escravidão indígena passou a ser uma necessidade e ao mesmo tempo uma atividade lucrativa.
Por este tempo vivia-se sonhando com as riquezas minerais da “montanha dourada” e ao mesmo tempo havia a preocupação com a manutenção e ampliação da produção no campo, sendo para isto necessários a ampliação da mão de obra. Com o aumento da criação do gado e do cultivo do trigo se ampliou o apresamento indígena.
O aprisionamento dos indígenas, portanto, teve como objetivo principal suprir as fazendas de mão de obra necessária para sua manutenção e expansão. Pesquisas mais recentes demonstram que o fornecimento de escravos para as áreas onde se produzia cana de açúcar, no nordeste e em menor escala no Rio de Janeiro, quando ocorria, era de forma secundária. A maior parte dos indígenas capturados ficavam no planalto paulista.
Além disto, com os primeiros achados do ouro em Paranaguá e Iguape na década de 1610, aumentou ainda mais a necessidade de mão de obra. Como não havia recursos para a importação da mão de obra escrava da África ou de outras vilas do país a saída foi apelar para a prática da escravidão indígena. Mesmo sabendo da inadequação dos indígenas para o trabalho da mineração, pois muitos eram aqueles que abandonavam o serviço embrenhando pelos matos.
A preferência pela mão de obra indígena foi devido à abundância dos mesmos pela região e em outras áreas da colônia; por ser o escravo africano muito caro para os recursos dos habitantes do planalto participantes de uma economia secundária no contexto colonial brasileiro; e, além do que a vila de São Paulo ficava distante da linha do tráfico negreiro.
A partir de então passou a se conviver no planalto com um paradoxo: a necessidade da mão de obra indígena numa sociedade em que havia profundos vínculos com os mesmos e deles já dependia para provir a sua existência. Como se observou ao longo da formação da vila, “sem índio não se compreenderia São Paulo.” (Toledo, 2012, p. 176). Sem a presença dos indígenas não se teria fundado e mantida a vila, não haveria homens para sua defesa e nas guerras mantidas pelos colonos, sem estes soldados incomparáveis, não se teria mão de obra abundante para os trabalhos da terra e não se iria ao sertão. Eles entregaram suas mulheres, cujos filhos povoaram e deram vida à região, ensinaram o que comer e de alguma forma como se curar e sobreviver em um ambiente frequentemente hostil aos europeus.
Com a crescente necessidade da mão de obra indígena se alteraram as relações entre brancos e índios. A questão indígena passou a predominar no cotidiano da vila e no seu entorno. As atas da Câmara registraram a evolução dos acontecimentos e suas repercussões ao longo de todo o século XVII.
A “caça ao índio” teve início no próprio Planalto Paulista, depois foram apanhados em quantidade cada vez maiores nos estados do Sul, bem como no Mato Grosso e Goiás e com avanços pelos territórios da Argentina e Paraguai. De início os Carijós, habitantes da região sulina, por parecerem mais pacíficos se tornaram alvo preferido pela gente de São Paulo.
Até a primeira década dos seiscentos os índios eram enumerados e avaliados nos inventários e constituíam a principal riqueza dos habitantes da vila de São Paulo. Isto consta com clareza nos documentos produzidos entre os anos de 1578 a 1609.
Até esta data sempre se costumava inventariar, além dos escravos com sua avaliação, os índios forros sem ela. Na prática a única diferença entre eles era que os segundos não podiam ser vendidos, embora pudessem ser dados em dote e partilhados entre os herdeiros. A partir de 1609 a ambiguidade da situação indígena aumentou, pois todos os índios eram considerados forros, mas na prática não o eram. Existiam contradições na maneira de encarar a situação do trabalho indígena. Somente em 1696 um acordo firmado entre o rei D. Pedro II e os moradores de São Paulo determinava que os índios pudessem ser legalmente administrados. Resolvidas esta dúvida dos paulistas acerca da administração dos índios, estes passaram a ser novamente avaliados nos inventários. Uma prática importante numa economia de mercado que permitia que os forros, aos serem avaliados, pudessem ser vendidos com autorização dos juízes para pagamentos de dívidas. Voltava-se, assim, em fins do século XVII, à avaliação dos índios, tal como fora feita no século XVI, quando eles eram escravos.
Durante o século XVII já se notou uma evolução semântica. Enquanto no século XVI as índias eram designadas como brasileiras ou do gentio da terra, agora eram denominadas “negras da terra”. Do mesmo modo, o termo mameluca foi sendo paulatinamente substituído por bastarda, que juntou o significado de ilegítima com a conotação étnica de mestiça. A caça ao índio e a consequente exploração do seu trabalho resultou em nova posição do mesmo na sociedade paulista, a de inferioridade racial e social.
Para saber mais:
– O s brutos que conquistaram o Brasil. Giuliana Bastos.
In: https://super.abril.com.br/historia/os-brutos-que-conquistaram-o-brasil/