#tempodemovimento | Parte III – A Vila de São Paulo e a expansão paulista | O conflito com os jesuítas

Em torno da questão indígena aflorou outro conflito que marcou a vida da vila de São Paulo na primeira metade do século XVII: o confronto entre os moradores do planalto com os padres da Companhia de Jesus.

Os jesuítas defendiam a liberdade dos indígenas e que as aldeias eram suas, sentindo senhores do espiritual e no temporal e só deviam obediência ao papa. Para os colonos o escravismo constituía uma forma objetiva para garantir a mão de obra abundante e barata nos trabalhos da lavoura e outras atividades necessárias.  Dificuldades que aumentavam devido à facilidade com que os indígenas se rebelavam e fugiam dos aldeamentos e das fazendas.

A tensão foi crescendo entre uma parte e outra.  Os colonos caçavam e escravizavam e os padres os ameaçavam com excomunhão e castigos.  Segundo Roberto Pompeu de Toledo, a oposição entre as partes seria o resultado de “duas concepções de colonização que se digladiavam, duas diferentes estratégias na luta pelo corpo e alma do índio. Os jesuítas, se não escravizavam, na acepção plena da palavra, não deixavam de praticar uma violência contra o índio ao tentar, bruscamente, impor-lhe valores como a monogamia, ou mais que isso, ao tentar regular-lhe o cotidiano, dividindo-lhe o tempo em padrões por ele desconhecido, hora de trabalho e hora de doutrina, hora de descanso e hora de oração. Sobretudo, não seria um ambiente de liberdade aquele em que os jesuítas preparavam para os índios, cercando-os em aldeamentos e, também eles, obrigando-os aos trabalhos. Os jesuítas eram também proprietários e produtores. Era crescente o poderio econômico da ordem… De fato, existiam duas estratégias diferentes e concorrentes, a do jesuíta, mais sutil, e a do bandeirante, mais brutal, mas ambas de consequências avassaladoras para o índio e sua cultura” (Toledo, 2012, p.150)

O conflito se estenderia pelo sul do país, em terras hoje pertencentes ao Paraguai e à Argentina e, principalmente pela região do Guairá no atual oeste do atual estado do Paraná, onde em vinte anos, a partir de 1609, os jesuítas implantaram ali cerca  de 15 missões.

A maior das bandeiras organizada para atacar Guairá foi a de 1628, dirigida por Antônio Raposo Tavares e Manuel Preto. Calcula-se que teriam feito de 8 a 9 mil prisioneiros, dos quais muitos morreram no meio do caminho.  Em 1632 todas as missões do Guairá estavam destruídas e se estima que durante este período tenham sido introduzidos em São Paulo de 30 a 60 mil indígenas.  Aumentava em muito a presença numérica dos mesmos, ou seja, houve um repovoamento indígena no planalto de Piratininga.  Disto resultava um paradoxo, pois na mesma proporção diminuía a sua influência na organização e na dinâmica da vida no planalto.

Embora os jesuítas denunciassem e solicitassem punição aos paulistas, a caça ao índio teria continuidade por outras localidades, em especial mais ao sul na região conhecida como Tape, onde eles tinham estabelecido novas reduções.

A rivalidade só aumentava. Em março de 1633 o conflito se manifestou no aldeamento de Barueri onde fugidos das lavouras teriam se abrigado.  Diante do fato a câmara de São Paulo determinou uma intervenção militar e os jesuítas foram expulsos do local e a igreja foi fechada.  O comandante da operação foi o mesmo bandeirante Raposo Tavares que logo foi excomungado pelos padres jesuítas.

A tensão ia crescendo, estendendo-se para além dos limites da vila.  Em 25 de junho de 1640, os procuradores das Câmaras das oito vilas àquela altura existentes na capitania, São Paulo, São Vicente, Santos, Itanhaém, Iguape, Cananéia, Santana da Parnaíba e Mogi das Cruzes se reuniram em São Vicente, a capital da capitania, e decidiram simplesmente expulsar os jesuítas.  No início do mês seguinte os jesuítas receberam a intimação dos habitantes da vila de São Paulo e, assim, a 13 de julho os oito integrantes que serviam no Colégio de São Paulo fecharam o colégio, a igreja e seguiram para Santos e depois para o Rio de Janeiro.  Permaneceriam treze anos longe de seus colégios em São Paulo.  Idêntica revolta acontecia em outros locais das capitanias da Repartição Sul, que resultou no envio de uma representação a D. João IV contra os jesuítas.

O acontecimento teve suas repercussões.  O vigário da vila de São Paulo fechou a matriz, suspendeu a administração dos sacramentos aos moradores da vila e os declarou excomungado.  O governador geral aproveitou a crise para criticar os paulistas, dizendo que a falta de castigo é que tinha provocado o desaforo com que aqueles moradores sempre tinham obedecido às ordens do rei e dos governadores gerais, “obrando em tudo como se foram república livre e independente daquele governo.” (apud Silva,2009, p. 53)

As ameaças não surtiram efeitos.  Nada intimidava os paulistas.  Em 7 de outubro de 1647 o rei lhes concedia  alvará de perdão, o qual só teria efeito depois da restituição dos bens dos padres.  Fato que resultou na reclamação dos paulistas de que “a fazenda, gados e escravos do gentio que os jesuítas possuíam naquela vila eram superiores aos dos moradores todos juntos.” E aproveitavam da ocasião para mostrar como eram diferentes os outros religiosos da capitania, carmelitas, beneditinos e franciscanos: “como nenhuns   se teve dúvidas e todos vivem administrando suas obrigações como religiosos com muita correspondência com os moradores e só com a os da Companhia tiveram encontros, e é porque os mais tratam do serviço de Deus e administração dos sacramentos, e eles seus interesses.”   (apud, Silva, 2009, p.55)

O conflito, no entanto, estava longe de terminar.  A tensão permaneceu pela segunda metade do século XVII. Em 1687, devido à suspeita de alforria de todo o gentio do Brasil, houve nova tentativa de expulsão dos jesuítas.

Para saber mais:

– Expansão territorial portuguesa: bandeirantes e jesuítas.   In:

https://professorandohist.wordpress.com/2017/04/05/expansao-territorial-portuguesa-bandeirantes-e-jesuitas/