#tempodemovimento | Parte III – A Vila de São Paulo e a expansão paulista | A Inquisição portuguesa e a caça aos judaizantes

A Inquisição foi instaurada em Portugal em 1536 e sua longa atuação se estendeu até 25 de maio de 1773 quando decreto real acabou com as diferenças entre o cristão novo e o cristão velho. Pela sua obscuridade parece estar inserido na Idade Média, mas pertenceu à Idade Moderna e se fez presente em todo período colonial brasileiro.

No Brasil a primeira notícia concreta da atuação da Inquisição se deu em 1546, dez anos após a sua instalação em Portugal, com a prisão de Pero do Campo Tourinho, donatário da Capitania do Espírito Santo.  E em São Paulo com o processo contra João de Bolés, ou João de Cointa, senhor de Bolés, como também era chamado, que durou de 1560 a 1564.  “Ou seja, desde que São Paulo tornou-se vila, em 1560, já se vivia sob os horrores da Inquisição”. (Bogaciovas, 205, p. 357) Outro caso marcante ocorreu com a prisão de João Pereira de Souza, capitão mor da Capitania de São Vicente, preso de 1600 a 1603.

Em 1628, durante a visitação do Santo Ofício a São Paulo, aconteceu o sequestro dos bens de Cornélio de Arzão, cristão novo, natural da Holanda e morador na vila de São Paulo.  Ele veio para o Brasil em 1609, tempo em que era governador D. Francisco de Souza, como mineiro e com missão de construir engenhos de ferro.  Foi casado com Elvira Rodrigues. Faleceu em 1638 e mesmo com os bens confiscados conseguiu deixar pequena fortuna. Seus filhos, sobrinhos e netos se destacaram no bandeirantismo.  A um de seus netos, Antônio Rodrigues Arzão, foi atribuída a primeira descoberta de ouro nas Minas Gerais.

O Tribunal do Santo Ofício, como era denominado, tinha um grande poder, pois representava a força da Igreja Católica somada à da Coroa Portuguesa. Combatia, perseguia e punia os acusados de praticar o judaismo, o islamismo e o protestantismo.  Combatia também as heresias, magia, feitiçaria, sodomia e a bigamia.

Havia também o Tribunal do Juízo Eclesiástico, composto por religiosos do clero secular.  Este tribunal era responsável pela condução e sentença de qualquer candidato ao sacerdócio, podendo aceitá-los ou reprová-los.  Para tanto faziam autos cíveis de justificação de nobreza.  Podia identificar e punir celebrações e ritos compreendidos como profanos e comportamentos heréticos e uma série de ações consideradas criminosas como a cobrança de juros exorbitantes; desrespeito às normas e dogmas da igreja, agressão às mulheres, estupro, adultério, prostituição e concubinato.

Os principais cargos na Inquisição eram o dos inquisidores, comissários e familiares.  Aos comissários cabia a condução de um processo antes de ser o mesmo remetido para Portugal.  Já aos familiares cabia a função de auxiliar e participar das tarefas da Inquisição em todos os sentidos: denunciar, prender e sequestrar os bens dos presos.  Os familiares se reportavam aos comissários e estes aos inquisidores.  O mais alto cargo na hierarquia do Tribunal do Santo Ofício era o de inquisidor mor.

Para evitar pânico na população e fugas dos envolvidos “as prisões eram feitas sempre em segredo”.  (Bogaciovas, 22015, p.60) O processo dos prisioneiros era complexo e seguia uma rotina.  Ele tinha início com a fase das denúncias que se completava com o auto da entrega do preso.  A partir de então começava a fase de interrogatório, de tortura física e mental, consideradas como sessão de tormento, em que eram submetidos “à roda e à tortura”.  Se o crime era a prática do judaísmo os bens do réu cristão novo eram sequestrados. Em seguida vinha à acusação escrita, o chamado libelo. E, finalmente a sentença. Os prisioneiros no Brasil eram enviados para a Inquisição em Lisboa.

 

 

Muitos são hoje os historiadores que estão a estudar, investigar e compreender o pavor instaurado nos países onde houve a Inquisição.  Buscam recuperar os detalhes sórdidos de famílias separadas, levadas à miséria, ao genocídio cultural praticado contra os cristãos novos que tiveram de abdicar de sua identidade e de sua religião. Impedidos de exercer a prática do judaismo em terras brasileiras foram se distanciando da mesma e com grande dificuldades podiam retornar a sua forma original.

A perseguição aos cristãos novos em são Paulo passou por diferentes fases.  Segundo Marcelo Bogaciovas  (MB, 2015, p. 344,345) foram elas:

– a primeira no período inicial da vila; estndo longe das autoridades coloniais e eclesiásticas os cristão novos viviam de forma simples, não demonstrando medo ou pavor e tanto indiferente ao poder e alcance da Inquisição.  Aos inquisidores deveriam “varar com flechada” ou como ocorreu com  João Pereira de Souza, capitão mor da Capitania de São Vicente que ao ser  preso afirmou “havia de cagar na Inquisição e nos inquisidores”.(Bogaciovas, 2015, p. 358)

– Em um segundo momento, a partir das primeiras décadas do século XVII, começaram  a surgir reações mais violentas como a morte do padre Diogo de Alfaro, comissário do Santo Ofício, superior de todas as reduções.  Em 1639 ele foi morto com uma bala na fronte.  Os paulistas, entre eles Andre Fernandes, fundador da vila de Santana de Parnaíba, foram responsabilizados pela sua morte.

– Uma terceira fase ocorreu no início do século XVIII e é considerada como a fase áurea da Inquisição portuguesa no Brasil. A atuação da Inquisição passou a ser outra: a de pavor e pânico.

Em Portugal e no Brasil colonial reinou um clima de terror, de delação com consequente insegurança por parte dos que tinham origem hebraica. A delação passou a representar uma forma de afirmação social, de pertencer a uma elite, para se diferenciar dos cristãos novos e como forma de tentar diminuí-los.   Vivia-se sob um terrorismo ideológico religioso. Nisto resulta o maior mal que o Santo Ofício tenha causado aos homens e em parte à sociedade colonial brasileira. Para Marcelo Bogaciovas ela significou “algumas das mais bárbaras manifestações de ódio adotados por quem julga possuir a verdade absoluta e se acha no dever de impô-la a todos, pela força.” (Bogaciovas, 2015, p. 455)

 

Para saber mais:

– A Inquisição no Brasil.  Orides Maurer Jr.  In:

http://oridesmjr.blogspot.com.br/2012/02/inquisicao-no-brasil.html

– Os familiares e a inquisição no Brasil colonial.  Ademar Oliveira. In:

http://br.monografias.com/trabalhos3/inquisicao-brasil-colonial/inquisicao-brasil-colonial2.shtml