O movimento dos paulistas em direção à região do Vale do Paraíba foi motivado pelo objetivo de assegurar a posse do território pelo donatário da Capitania de Itanhaem e pelo desejo de ampliar e expandir o poder metropolitano por extensa área colonial. A Igreja Católica unida ao Estado participou com o interesse específico de trabalhar pela conversão dos gentios ao catolicismo e promover a evangelização de seus habitantes.
Um processo evangelizador “baseado no medo” que passou a rondar o imaginário dos colonos que se tornaram atormentados pelo o temor da morte e a salvação de suas almas. Preocupações constantes exteriorizados nos testamentos produzidos no primeiro século da colonização. Nele os autores deixavam expressos suas vontades, a declaração dos bens, segredos e os pedidos de perdão. Em quase todos salientavam disposições de ordem material e como que se despedindo mundo os testadores abriam a consciência, e deixavam registradas suas últimas vontades.
Em três deles o fato pode ser constatado. Trata-se dos testamentos de Domingos Dias Felix, abastado agricultor feito no ano de1660; a de Belchior Felix Peresteiro, neto de Jacques Felix, do ano de 1661; e, do capitão Domingos Gomes proprietário de terras e de escravos no bairro do rio Uma, possuindo mais de 60 deles, feito no ano de 1671. (in Ortiz, livro 2º., 1996, p. 187 a 189; 204 a 206 e p. 74 a 78)
Nos três documentos os seus autores manifestaram de início a razão de sua feitura alegando “estar doente e temendo a morte”, por que desejavam “por a minha alma no caminho da salvação; e, ainda, “para o descargo de minha consciência”. Em seguida fizeram “a encomendação” de suas almas para os santos e santas, que deveriam atuar como seus advogados. Apelavam para o Divino Espírito Santo, a Virgem Mãe de Deus, ao Anjo da Guarda, ao santo de seu nome, aos santos apóstolos e todos os santos e santas da corte celestial. Com pequena variação também a aparece o apelo para o Sr. Bom Jesus. Em alguns ainda apareciam o pedido para que os santos intercedessem para que recebessem o perdão de seus pecados.
Esse era um dos motivos da presença de religiosos nas incursões sertanistas. O sacerdote era levado pelos bandeirantes, como aconteceu na expedição de 3 de maio de 1685, “ para administrar os sacramentos para salvação de nossas almas.” ( In (Mendonça, 2014,78). E é claro, oferecendo recompensas, em número de indígenas capturados para o sacerdote ou a ordem a que pertencia.
Na sequência eram registradas as diretrizes para o enterro do corpo. Domingos Dias e Belchior Félix pedem que seus corpos sejam sepultados na Igreja Matriz da vila de Taubaté, com o acompanhamento costumeiro. Já o capitão Domingos Gomes solicitava que seu corpo fosse enterrado na Igreja Matriz da vila de Taubaté no corpo da Igreja, defronte do altar de São Miguel e seja enterrado como o “Ábito do Glorioso São Francisco.”. Manda ainda que as cruzes que tivessem nesta matriz, na das Almas e de Nossa Senhora do Rosário acompanhasse toda a cerimônia.
Por fim, preocupados com a salvação de suas almas e não merecer o castigo da vida após morte no inferno ou padecendo no purgatório mandavam, como de costume, celebrar missas pelas suas almas.
Muitas missas. Domingos Dias deixou registrado o pedido 41 missas. Um trinário de missas, duas a São Francisco, a Nossa Senhora da Conceição, ao santo de seu nome, ao Anjo da Guarda e três missas “para quem eu por ventura esteja encarregado de alguma dívida”. Belchior Felix também deixou encomendado o mesmo número de missas. A saber: “pela minha alma”, 24 para Nossa Senhora do Carmo a ser celebrada no Convento dedicado a ela; 5 missas em honra das cinco Chagas de Cristo, 6 missas para São Miguel, 3 missas ao santo de seu nome, 3 missas ao seu Anjo da Guarda e missas para as almas que padecessem no fogo do purgatório. Domingos Gomes deixou encomendadas 17 missas. Em número de 6 “para aqueles a quem esteja encarregado de alguma coisa”; 3 missas de corpo presente, 3 missas em honra da Santíssima Trindade, 2 para o Anjo da Guarda, 3 para o santo de seu nome, a Nossa Senhora da Ajuda, a São Francisco e 2 “Capellas de Missas” com brevidade.
Para garantir as cerimônias deixavam reservadas de seu patrimônio pessoal as esmolas necessárias.
A crença no julgamento divino após a morte, o temor da condenação que podia resultar no castigo no purgatório ou ainda ser levado ao fogo do inferno, exerceram forte influência no ideário de vida e nas práticas sociais dos fieis. O colono vivia debaixo da influência da “pedagogia do medo” implantado pelo catolicismo ibérico português. Assim, tornaram-se “filhos do medo”.