#tempodemovimento | Parte II – O paulista | O Governo dos “homens bons”

A vila de São Paulo, como as demais vilas do Brasil colônia era dirigida pelos homens bons. Eles formavam uma elite aos quais cabia a prerrogativa de poder participar das eleições e exercer cargos e funções na administração local.  Entre eles se incluíam os proprietários de terras, os funcionários e comerciantes.  Eram detentores de posses, tinham ao seu dispor o trabalho dos subalternos e conseguiam manter ou aparentar ter o estilo de vida características da nobreza portuguesa.  Os demais membros da sociedade, como os indígenas, negros, estrangeiros, degredados, judeus ou quem possuísse sinal de “sangue infecto” e todos o que exerciam ofício manual eram excluídos da participação política.  Acrescente-se ao grupo dos excluídos as mulheres; nunca existiu o estatuto das mulheres boas.

As Câmaras municipais surgiram em decorrência da necessidade da coroa portuguesa em controlar e organizar as vilas e cidades que iam se formando. Elas eram uma das peças fundamentais da administração colonial, pois a coroa portuguesa encontrava dificuldades para administrar diretamente as vilas que iam sendo criadas. Forma pela qual a metrópole portuguesa lhe outorgava a prerrogativa de governar a si mesmo.  Por elas, o mando local era exercido pelos homens bons por intermédio do acesso e controle dos seus cargos.

A Câmara constituía o órgão máximo do governo da Vila. Elas possuíam patrimônio formado por terrenos públicos, edificações, terras aforadas e parte do tributo real, além daqueles tributos de caráter local. Os seus cargos eram preenchidos por meio de eleições, as quais eram organizadas, em geral, a cada três anos. Nessas eleições dentre os eleitores, constituídos pelos “homens bons”, eram eleitos os vereadores.  Competia às Câmaras nomear um juiz a quem cabia o governo da vila, os vereadores em número de dois e um procurador, além de alguns oficiais de câmara, nomeados de acordo com as necessidades. Os seus membros recebiam o nome de oficiais da Câmara.

Havia reuniões em média duas vezes por semana, ocasião em que se deliberava sobre vários temas relativos à organização e administração local. Pode-se notar que as funções atribuídas às Câmaras iam desde questões mais simples como a limpeza e conservação de ruas e logradouros públicos, o cuidado com construção e manutenção das estradas, até aquelas relacionadas ao funcionamento da vila, como as referentes ao abastecimento, à segurança e até mesmo ao emprego de pesos e medida e a fiscalização da cobrança de impostos e garantia do cumprimento de ordens emanadas da metrópole.

Face à distância do poder central e a implantação gradativa da administração portuguesa no Brasil gerou certas confusões e desencontros da administração local com os interesses metropolitanos.

O fato de possuírem tantas atribuições e, consequentemente, terem o poder de deliberar sobre os mais variados assuntos, conferiu às Câmaras muita autoridade e contribuiu para que desfrutassem de certa autonomia em relação ao poder metropolitano. Contudo, o poder exercido pelas Câmaras no período colonial é assunto controverso na historiografia.  Para muitos historiadores as câmaras serviram como forma de afirmação de um centro de poder local submisso aos interesses de grupos econômicos locais e aos ditames da metrópole. Outros admitem,  como ocorreu na vila de São Paulo, serem elas um mecanismo ativo de participação política que estimulou o desejo de liberdade, de afirmação e de autonomia em relação aos poder central metropolitano. Aos habitantes de São Paulo “repugnava a interferência das autoridades do reino. Quanto mais distante eles se mantivessem e mais alheia aos negócios da vila, melhor.” (Toledo, 1012, p. 138) Neste cenário de incompatibilidade ascendem o imaginário político dos paulistas e de suas práticas, manifestadas na Guerra dos Emboabas, no início do século XVIII e na reputação que acabariam por ser reconhecidos como de vassalos rebeldes e desobedientes às regras da Coroa Portuguesa.

No século XVII, mais precisamente no ano de 1603 foi instituído em Portugal e suas colônias o Código Filipino que deu nova regulamentação à organização de funcionamento das Câmaras Municipais.  Mesmo com o fim da União Ibérica em 1640 o código continuou prevalecendo e somente foi alterado no ano de 1828, quando foi definido um novo formato das Câmaras para o Império.

 

Antiga Câmara de São Paulo

 

Interessante notar, em São Paulo, que além da Câmara havia manifestações populares por meio das “assembleias populares” como a que ocorreu em 8 de dezembro de 1562  e em 30 de dezembro de 1575 para a escolha de representantes para irem a Santos para tratar de assuntos necessários à Vila.   “Em outros momentos importantes no século seguinte, a população irá se manifestar”.  (Prezia, 2008, 5)

 

Para saber mais:

– A organização política- admininistrativa e o processo de regionalização do território colonial brasileiro.  Paulo Pedro Perides.