#tempodemovimento | Parte II – O Paulista | Um lugar para os refugiados

No Brasil como em Portugal os judeus foram perseguidos por questões religiosas, pelo seu prestígio social e econômico.  Uma das formas foi a obrigação de pagar imposto especial, de caráter extraordinário chamado de finta do cristão novo.

Na capitania de São Vicente se encontrou o registro do pagamento da finta no ano de 1613 e de 1624.  Na primeira se encontram arrolados os nomes de pessoas de origem judaica que residiam na capitania como Maria Gomes, Francisco Vaz Coelho, moradores da vila de São Paulo; João Gomes em Itanhaem; Domingos Rodrigues, em Santos; e Francisco Lopes Pinto e Francisco de Medeiros na vila de São Vicente.  Na cobrança da finta em 1624 foram lembrados alguns nomes da gente de nação hebraica, a saber: Pedro Gonçalves Varajão, Rodrigo Fernandes, Romão Freire e Francisco Vaz Coelho. O cristão novo Francisco Vaz Coelho casado com a também descendente de judeus, Isabel de Almeida Proença, foi um dos fundadores de Mogi das Cruzes. Além deles muitos moradores do planalto de Piratininga foram acusados de serem cristãos novos.

A vila de São Paulo passou a ser lugar ideal para refúgio daqueles que se viram continuadamente ameaçados pelo Santo Ofício instalado em Portugal no ano de 1536 que,  alias, de Santo só tinha o nome.  Para Paulo Prado e José Gonçalves Salvador “o planalto de Piratininga oferecia condições excepcionais aos perseguidos pela Inquisição. Em síntese: asilo, segurança, liberdade, a indulgente proteção dos jesuítas, etc.” (Apud Salvador, 1976, p.7) Os judeus que ajudaram na formação de São Paulo ali encontraram a segurança necessária para viver em tranquilidade maior do que em outros lugares.

No Planalto de Piratininga ocorreu o intracruzamento ético, mesclando- se as três raças: indígenas, brancos europeus predominantemente de origem portuguesa, cristãos velhos e os de origem semita, os cristãos novos.   Desta fusão nasceu o “paulista”.  Para José Gonçalves Salvador, “tal hibridismo produziu efeitos admiráveis. Concorreu para desenvolver o espírito de democracia que brotou na capitania; deu origem ao tipo humano talhado para os célebres eventos dos séculos XVII e XVIII; permitiu a interrelação de hebreus, de cristãos velhos e de mamelucos no bandeirismo e a aceitação cordial de outros cristãos novos que foram chegando. (Salvador, 1976, p.132)  Da sua contribuição na composição da gente de São Paulo resultaram alguns traços fisionômicos que marcaram o caráter destes paulistas: “maior resistência biológica, mais adaptabilidade ao meio, amor à liberdade, extraordinária mobilidade e destemor.” (Salvador, 1976, p.7)

Como afirmou Carlos Guilherme Mota, “longe do braço do Estado português, São Paulo tornou-se mais tarde refúgio de cristãos-novos, ou criptojudeus”.

                                            Capa de livros sobre cristãos novos em São Paulo

Os descendentes de judeus como João Ramalho, o padre José de Anchieta e tantos outros que ali foram se instalando passaram a exercer papel importante na construção de uma nova e singular sociedade, a dos paulistas. No entanto, quando São Paulo se tornou vila em 1560, já se vivia sob os horrores da Inquisição sediada em Portugal.

 

Para saber mais:

– Os Cristãos Novos nas capitanias do Sul.  José Gonçalves Salvador.  In: https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/download/121684/118578