O estudo da relação do homem com o sagrado é um dos desafios permanentes dos estudiosos em geral. Principalmente para os historiadores quando se voltam para o estudo do catolicismo brasileiro, em seus primórdios, durante o período colonial, complexo, plural e heterogêneo.
Um catolicismo que, como afirma Eduardo Hoornaert, “assumiu nos primeiros séculos de sua formação histórica um caráter obrigatório. Era praticamente impossível viver integrado no Brasil sem seguir ou pelo menos respeitar a religião católica” (Hoornaert, 1974,13).
Um grande número de agentes atuou na sua implantação no mundo colonial lusitano, bem como influenciou na sua orientação e condução. Entre eles figuram os membros da hierarquia da Coroa Portuguesa e da hierarquia da Igreja Católica na defesa e propagação das normas e doutrinas católicas, bem como os membros dos tribunais eclesiásticos, com ênfase nos representantes do Tribunal da Inquisição em Portugal e no Brasil. Os bispos e padres denominados de “clero regular”, encarregados de dirigir o culto e distribuir os sacramentos. Os integrantes das ordens religiosas empenhados na defesa da Igreja e em difundir a fé católica entre os chamados “gentios”.
No cotidiano da vida colonial, no reduto da vida privada o catolicismo era vivido pelo povo em geral. Por uma população muito pequena que vivia em um imenso território, na maioria das vezes, sem assistência ou orientação religiosa.
Para além dos agentes principais, a população colonial manifestava as suas práticas e representações religiosas com características próprias. Surgia um “outro catolicismo”, “cuja riqueza e variedade de manifestações estavam em permanente adaptação às circunstâncias aqui encontradas e parecem desafiar os objetivos de ordenação e padronização proposto pelo papado romano.” (Chahon, 2014, p.86). Daí ter resultado as denominações reconhecidas na historiografia brasileira: “catolicismo guerreiro”, “catolicismo patriarcal”, “catolicismo rústico”, “catolicismo mineiro” e outras que assinalam a presença de diversos polos devocionais e formas diferentes de sociabilidade católica. (Chahon, 2014, p.86) Mas que, ao mesmo tempo, aproxima ricos e pobres, os familiares, homens livres e escravos e uma variedade enorme de indivíduos de cores, procedências e formas e de herança cultural bem diversos.
A vila de São Paulo, apesar da presença marcante dos jesuítas, foi durante o primeiro século de sua formação desclericada. Ela somente teve um vigário no ano de 1591. A partir de quando a Capitania de São Vicente passou a contar em todo o seu território com quatro vigarias localizadas em São Vicente, Santos, Itanhaem e em São Paulo.
Neste contexto, os esforços realizados pela Igreja Católica na formulação das novas diretrizes emanadas do Concílio de Trento (1545- 1563) teriam se concretizado de forma precária e incompleta durante o período colonial.
O catolicismo brasileiro se apegaria á à tradição católica portuguesa do período pré-tridentino. Ele seria caracterizado pela manutenção da herança cultural do passado colonial português com seu pensamento mágico e a exterioridade das manifestações religiosas e de devoção. Um catolicismo predominantemente laico, gozando de certa autonomia, com muitas rezas e poucos padres e poucas missas, mais voltado para o ambiente privado e ao culto familiar aos santos de devoção.
Disso resultou um catolicismo que na sua expansão contou com a participação e com a presença de outros membros ligados aos laços de família e de trabalho, por ocasião da realização das reuniões periódicas ou das festas locais para o conjunto dos fiéis. Na sua prática produziu um catolicismo de feitio privado e familiar que estimulou a participação das mulheres em geral.
Pode-se assim caracterizar, em suas linhas gerais, que a religião praticada pelos católicos do Brasil Colônia “era inspirada em uma reflexão sobre as atividades e os espaços protagonizados, respectivamente, pelos membros do corpo clerical e pelos indivíduos e grupos recortados da maioria leiga. Revela-se, assim, tanto no âmbito das crenças quanto ao nível das práticas cotidianas, a existência de uma separação mais ou menos nítida entre uma vivência religiosa mais ligada ao polo sacramental e litúrgico, dominado pelos clérigos e pelos espaços públicos de culto, e outra mais próxima do polo devocional, em que predominaria a relação íntima e direta entre os fiéis e os membros da corte celeste, transcorrida, sobretudo, no interior dos lares e nos espaços privados em geral.” (Chahon, 2014, p.89)