No cotidiano, ser ou aparentar ser católico era um valor introjetado na vida das pessoas. Ele se manifestava em forma de gestos, participação em orações, festejos religiosos e adoração dos santos.
Para expressar publicamente a veneração aos santos de suas preferências, dar maior visibilidade à adesão ao catolicismo e ainda para firmar prestígio no bairro rural os grandes proprietários e produtores passaram a fundar capelas. Assim foram levantadas as capelas de Nossa Senhora da Luz por Domingos Luís, o Carvoeiro, em data anterior a 1603; a de Nossa Senhora do Ó pelo bandeirante Manuel Preto, na freguesia do mesmo nome, em torno de 1620; a de São João de Atibaia por Jerônimo Camargo; a capela de São Roque, em São Roque termo da vila da Parnaíba por Pedro Vaz de Barros e meados da segunda metade do século XVI. Foi uma prática que se estendeu pelo século seguinte resultando no aparecimento de mais de quatro dezenas delas espalhadas pelo planalto paulista.
A construção de capelas era uma forma ostensiva da religiosidade brasileira no período colonial. Uma religiosidade “em parte condicionada pela simples lei de sobrevivência: proteger a casa comercial, o engenho, a indústria sob a invocação religiosa de um santo, era uma maneira de escapar à desconfiança dos “deputados”, “familiares” e “oficiais” do Santo Ofício.” (Hoornaert, 1974, 18) No planalto paulista a capela rural significava “a expressão maior, a mais completa e a mais requintada da condição nobiliárquica colonial” (Cerqueira, 2013, p. 82)
Como explica Carlos Gutierrez Cerqueira havia “distinção entre a capela que existia na Morada Bandeirista, situada no alpendre da residência, e a capela rural propriamente dita, como edifício separado e autônomo. Porém, as duas eram equipadas para cumprir as funções de templo religioso”. (Cerqueira, 2013, p. 79)
Cerqueira demonstra em seus estudos que a “capela da morada embora não fosse propriamente uma igreja, nem por isso deixava de constituir um recinto religioso que se diferenciava do simples oratório doméstico. A capela rural, por sua vez, construída pelo potentado em sua fazenda, embora pudesse ser equiparada a uma pequena igreja e de fato constituía um templo religioso completo (capela-mor, nave, sacristia e, por vezes, torre-sineira e alpendre) -, não tinha vínculo direto com nenhuma organização da Igreja. Ela era propriedade privada do potentado bandeirante que todavia devia provê-la dos equipamentos e alfaias requeridos pelo ritual religioso, o qual só se realizava com a presença de um membro da Igreja, de qualquer das ordens da igreja. ( Cerqueira, 2013, p.80)
Para ele, em seu importante estudo, conclui afirmando que “essas capelas constituíam instrumentos, utilizados pelas elites paulistas daquele período, para privatizar o culto religioso, ainda que realizado por membro do clero, secular ou regular. O potentado paulista, assim como o senhor de engenho, embora altivos e poderosos, não suprimiram a presença deles. Mas esse é o aspecto de menor interesse. As capelas desses potentados quer-nos parecer, constituem, refletem ou representam uma ordem de valores que assinalam, na paisagem rural, um elemento diferenciador, distintivo de seus possuidores; representam status e notabilidade superior no panorama sócio cultural sobre as demais esferas da própria camada dominante; e, desse modo, assinalavam um símbolo distintivo do modo de viver peculiar da facção mais rica e distinguida da elite bandeirante, nobre de origem ou enobrecida pelas maneiras que assinalamos. Ou seja, ter capela não era para qualquer um! Não bastava ser rico. Era também preciso pertencer às camadas mais elevadas, aos estamentos privilegiados, ser ou alçar à condição de fidalgo”. (Cerqueira, 2013,p.102)
As capelas constituíam um espaço de orações domésticas onde eram realizadas as práticas religiosas particulares e da família. Por algumas vezes estendia suas funções para um público maior. Em especial nas festas em louvor ao santo padroeiro ou nas visitas assistenciais realizadas pelos jesuítas. Nestas ocasiões participavam os trabalhadores da fazenda, os agregados e indígenas administrados ou escravos. No entanto, “para essa gente não era facultado o ingresso ao interior da capela. O espaço que lhe era reservado começava e terminava na varanda da capela. Assim, originariamente, antes de se separar da Casa de Morada, constituía um meio privado e privilegiado de diálogo com Deus e os Santos da devoção do potentado, de negociação futura de sua alma, em ato de remição dos pecados da carne e dos muitos abusos de autoridade cometidos para com aqueles que lhe serviam.” (Cerqueira, 2013, p. 81)
Para saber mais:
– Capelas Rurais Paulistas dos séculos XVII e XVIII de Carlos Gutierrez Cerqueira IPHAN / SP