A capela de N. S. da Piedade foi erigida em 1705, próxima ao porto de Guaypacaré. “Embora não haja registros do modelo utilizado na construção da ermida, pode-se visualizar uma capela simples, em taipa e proporção pequena, sem muita simetria e humilde, talvez com poucas ou até sem janelas, conforme os costumes portugueses e da população.” (1)
Como ponto de travessia para as Minas Gerais, vivendo em torno da capela, o local logo se tornou o primeiro centro de peregrinação religiosa mariana da região valeparaibana. Seus moradores e os viajantes que por alí aportavam desenvolveram a fé mariana. A manifestação dessa devoção resultou no início das celebrações da “Festa da Padroeira”. O culto e a festa ganharam tal importância que em 1714 Frei Agostinho de Santa Maria, em sua famosa obra “Santuário Mariano”, apresenta um título todo ele referente à “Milagrosa imagem de Nossa Senhora da Piedade”.
Ao passar pela Vila de Guaratinguetá escreve que:
“fique-se em boa hora com suas garças, que em tal Vila como esta, me não quero deter nada, pois não tem em si a perfeição das terras, que são os Santuários da May de Deos, e o bem e remédio dos pecadores, e assim passo o Rio Paraíba a outra parte a buscar o Santuário em huma aldeã, ou povoação que é o porto onde desembarcão as canoas e se chama Guaypacaré, ponto muito freqüentado de todos os que passão às Minas e vem das Minas. Com esta misericordiosa Senhora tem todos aqueles moradores daquele porto muito grande devoção e também todos os que por ali passão para as Minas. É esta Casa da Senhora a Paróquia daquele lugar e assim se vê colocada no seu Altar Mór, como senhora e Patrona que é daquele Santuário. Todos os moradores daquele lugar a servem com fervorosa devoção e lhe solemnisão a sua festa, o que fazem com muita perfeição e grandeza. Todos os que vão para as Minas, chegão à vila das Garças, Guaratinguetá, e assim os que vêem da costa do mar, do porto da Vila de Paraty, como os que vêem de São Paulo e mais Vilas da terra dentro, todos passão este grande Rio Paraíba e desembarcão pero terra para as Minas Geraes e vão primeiramente a buscar o Santuário de Nossa Senhora da Piedade, e pedir-lhe que ela os acompanhe e favoreça e os livre de todos os perigos que se encontrão naquelas suas ambiciosas Jornadas”. (2)
A forte devoção acabou por influenciar o nome do lugar. Em 1718, quando o povoado foi elevado à categoria de freguesia, passou a ser denominado de “Freguesia da Piedade”. Foi desmembrada da Matriz de Santo Antonio de Guaratinguetá e elevada à condição de paróquia, conforme consta o livro Tombo que: “Por provizão do Exmº e Rmo Sr. Dom Fransciso de S. Geronimo, Bispo do Rio de Janeiro desmembrou a dita Capella da Matriz de Santo Antonio da Villa de Guaratinguetá e se curou por Igreja a Matriz”.(3)
Com este acontecimento clero e moradores da nova freguesia resolveram derrubar a antiga e singela capela e fazer outra, com novas medidas mais avantajadas ficando ainda no mesmo estilo de taipa. “Embora não temos a medida e o modelo exato de como seria a nova Capela, pelos modelos existentes em cidades antigas no Brasil, temos a suposição de ser um grande barracão de forma retangular com poucas janelas.” (4)
A nova Igreja conservou o sentido de sua construção, ou seja, era também voltada para o rio Paraíba, embora um pouco afastada conforme nos explica Evangelista: ”O segundo templo estava sendo erguido um pouco mais afastada do rio, portanto, em locais de sepultamento pois o costume era que os mortos ficassem enterrados aos lados ou nos fundos das igrejas.” (5) A capela contava com a Confraria de São Miguel das Almas e as Irmandades do Santíssimo Sacramento, Padroeira de Nossa Senhora da Piedade e Nossa Senhora do Rosário.
“A igreja desta freguezia hê da invocação de Nossa Senhora da Piedade. Hê feita de taypa com pouco de pão por dentro. O corpo da Igreja não estâ forrado, mas a capela mór e tribuna hê toda forrada, apainelada das bandas e toda pintada athê o arco da Igreja. Tem essa Igreja três altares; o mór onde se venera o S.S.Sacramento por sua Irmandade” (6)
Graças à constante presença e orações de peregrinos, da grande devoção à santa, manifestadas nas festas da padroeira, em 1746 o Papa Bento XIV concedeu indulgência plenária e mercês especiais aos seus devotos. A indulgência, considerada pela Igreja como remissão, diante de Deus, da pena temporal devida pelos pecados já perdoados foi plenária, ou seja, liberar o fiel totalmente da pena devida pelos pecados. Para tanto, deverá o fiel:
“no dia de Nossa Senhora da Piedade há nesta freguesia indulgência plenária de todos os pecados que concedeu o Nosso Santo Papa Benedito décimo quarto, aos fiéis, que verdadeiramente contritos e confessados e refeitos com a Sagrada Comunhão, visitarem a Igreja aos quinze de agosto, desde as primeiras vésperas até o acaso do sol do dia seguinte, rogando devotamente a Deus pela paz e concórdia dos príncipes cristãos, extirpação das heresias e a exaltação da Santa Madre Igreja, cuja graça concedeu por dez anos e foi o breve aprovado pelo ordinário e publicado nesta Igreja aos vinte e nove dias dos Mez de Maio de mil setecentos e quarenta e seis anos”. (7)
No ano de 1797 as indulgências plenárias eram concedidas aos paroquianos por três vezes ao ano: nos dias da Festa da Padroeira, Dia de todos os Santos e em dia do Espírito Santo.
Em 1822 Saint-Hilaire informa que “A igreja paroquial forma um dos lados da pequena praça quadrada. Em outra praça irregular, e ainda menor que a primeira fica a segunda igreja dedicada a Nossa Senhora do Rosário. Esta foi a única que visitei. Não tem dourados como as igrejas de Minas, e unicamente se adorna de pinturas bastante grosseiras.” (8)
Uma terceira capela foi construída a partir de 1831 em virtude da necessidade de reforma da antiga capela. Conforme relata Gama Rodrigues: um “vasto templo acachapado, de taipa de pilão, coberta de telhas de barro, com seus lances de corredor olhando para o poente e distante uma cem braças da barranca do rio” (9) Por se tratar de uma Igreja centenária de uma confecção de material não resistente ao tempo, chegam à conclusão em demolir o templo e construir outro.
Entre 1860 – 1861 o viajante Augusto Emílio Zaluar, em suas anotações menciona que:
“A Matriz, que tem as proporções de um templo grandioso, está ainda por terminar, e acusa talvez a negligência do governo, que não auxilia eficazmente uma obra que já custou tantos contos de reis ao povo, e se deteriorará se o Estado lhe não acudir como produto de algumas loterias, cuja sanção se espera do Senado. A uma arquitetura imponente e majestosa junta esta igreja em âmbito imenso, e está colocada em uma vasta praça em frente ao rio Paraíba, cujas águas parecem espraiar-se a seus pés” (10)
Uma quarta igreja foi projetada e construída no final do século XIX, no período de esplendor da economia cafeeira. A direção da obra foi entregue ao engenheiro arquiteto Dr. Francisco de Paula Ramos de Azevedo. As obras da Igreja tiveram início em 1886 e foram concluídas em três anos. A inauguração da majestosa Matriz, toda elaborada em estilo romano, como se pode conhecer atualmente, foi feita em 1º de janeiro de 1890.
Para saber mais:
– SODERO TOLEDO, F. Estrada Real: Caminho Novo da Piedade. Campinas, Editora Alínea, 2009
Notas:
1 e 4 – SILVA, Teresa C. de M. F. da. Catedral de N. S. da Piedade: da Capela à Diocese. 300 anos de História em Lorena. Lorena: Unisal, 2006.
2,3,6 e 7 – Livro Tombo de Lorena. No. I, 1747, p.17. Arquivo da Cúria de Lorena.
5 – EVANGELISTA, J. G. Lorena no Século XIX. São Paulo: Governo do Estado, 1978.
8 – SAINT-HILAIRE, A. de. Segunda Viagem a São Paulo e Quadro Histórico da Província de São Paulo. Coleção Biblioteca Histórica Paulista, Vol. VI, 2 ed., São Paulo: Livraria Martins Editora, 1954.
9 – GAMA RODRIGUES, A. Gens Lorenenses. Lorena: 1956.
10 – ZALUAR, A. E. Peregrinação pela Província de São Paulo (1860-1861). São Paulo: 1954.